terça-feira, 14 de julho de 2015

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Deborah Castro/Faculdade de Medicina
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James Macinko: subfinanciamento limita avanços do modelo brasileiro de atenção básica

'Modelo brasileiro de atenção primária é a melhor forma de organizar um sistema de saúde', afirma estudioso norte-americano

quarta-feira, 8 de julho de 2015, às 9h49
A Estratégia Saúde da Família (ESF), programa de atenção básica que compõe o Sistema Único de Saúde (SUS), é uma iniciativa que pode inspirar países como os Estados Unidos e a Inglaterra, avalia o pesquisador James Macinko, da Universidade da Califórnia.

Desde 2002, Macinko acompanha a trajetória do Sistema Único de Saúde (SUS). No mês passado, ele publicou, junto com o professor Matthew Harris, da Universidade de Nova York, um artigo sobre a experiência no The New England Journal of Medicine.

“O Saúde da Família é o maior programa de atenção básica de viés comunitário do mundo. Ele reúne mais agentes comunitários do que qualquer outra iniciativa. É um modelo poderoso e de muito potencial”, resumiu o professor nesta entrevista concedida na semana passada, quando esteve na Faculdade de Medicina para compor as bancas examinadoras de duas defesas de tese de doutorado do Programa de Saúde Pública.


O senhor acompanhou o desenvolvimento do SUS por muitos anos e, em seu artigo publicado em junho, afirma que a cobertura de saúde da população brasileira progrediu rapidamente. Em 27 anos de existência, qual foi o maior progresso do SUS? 
O meu artigo focalizou a Estratégia de Saúde da Família no contexto de um sistema como o SUS, que é para nós, americanos, uma ideia diferente. A Estratégia de Saúde da Família tem alguns resultados de destaque como a sua rápida expansão, que alcança mais de 60% da população brasileira. É o maior programa de atenção básica de caráter comunitário no mundo. Ele reúne mais agentes comunitários do que qualquer outra iniciativa. É um modelo poderoso e de muito potencial. Outro ponto importante é a existência de padronizações e normas regulamentares que definem o que é uma equipe e suas ações. Isso ocorre em nível federal com possibilidade de adaptação para o plano municipal.



Como o senhor avalia a Atenção Primária à Saúde (APS) como estratégia de organização da assistência à saúde no Brasil? 
Winston Churchill disse certa vez: “a democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor que ela”. É mais ou menos assim que vejo a Atenção Primária. Não há modelo perfeito, mas, entre os existentes, a APS tem as melhores credenciais. Tem orientação teórica e evidências empíricas que mostram sua capacidade de melhorar a saúde das pessoas. Além disso, análises comparativas feitas em vários países mostram que o sistema brasileiro propicia avanços na saúde pública e de forma mais equitativa que outros modelos. Não é perfeito, porque não há sistemas perfeitos, mas as evidências sugerem que essa é a melhor forma de organizar um sistema de saúde.



Seu artigo também ganhou destaque ao defender que o SUS pode servir de exemplo para outros países. Como a experiência brasileira pode contribuir para outros modelos? 
A primeira questão é que, no Brasil, saúde é um direito constitucional, e o Estado tem obrigação de prestar serviço de saúde à população. Nos EUA, isso não existe. Lá, as pessoas conseguem acesso a esses serviços por um emprego que lhes oferece um seguro de saúde; algumas contam com seguro médico público por terem 65 anos ou mais, outras por apresentarem problemas de saúde graves ou por em razão de sua precária condição socioeconômica. Chegamos a ter cerca de 40 milhões de pessoas sem seguro médico, e esse número caiu um pouco recentemente com o Obamacare [Lei de Saúde aprovada no ano passado que determina que os cidadãos que residam legalmente nos Estados Unidos devem adquirir algum tipo de cobertura de saúde com subsídio governamental]. O SUS pode inspirar outros países. A reforma do sistema equatoriano, por exemplo, baseou-se no SUS, e seu modelo reúne elementos da Estratégia da Saúde da Família. O coautor do artigo publicado no The New England Journal of Medicine [Matthew Harris) está tentando implantar a ESF na Inglaterra. Lá, há um processo de adaptação, e estamos avaliando como esse modelo pode ajudar um país rico como a Inglaterra.



Há uma parcela da população que não acredita na eficácia do SUS ou já testemunhou funcionamento precário do Sistema. Como torná-lo mais eficaz?
O SUS tem muitos componentes. O que mais conheço e estudo é a Atenção Primária, uma área muito boa. Certamente, alguns dos problemas vêm da oferta, por exemplo, de serviços especializados ou diagnósticos e de atendimento hospitalar. A ideia da Atenção Primária e algumas experiências primárias vieram da África do Sul, da China e da Inglaterra. O interessante é que o Brasil teve uma projeção internacional muito importante nos últimos 15 anos e auxiliou outros países a adaptar seus sistemas de saúde para fortalecer a atenção primária. No artigo, mencionamos uma limitação importantíssima da ESF que afeta todo o SUS: o subfinanciamento. Quando se compara o Brasil com outros países, mesmo da América Latina, a proporção do financiamento público é muito baixa, menos de 50%. Nos EUA, que têm um sistema privado, a contribuição pública é maior. Então, não deixa de ser contraditório um sistema público que precisa de mais financiamento público. Mas isso não é só no Brasil. O subfinanciamento é um problema que afeta todo o mundo.



Como resolver essa contradição?
A alocação de recursos públicos é uma questão política, e apenas seus atores podem decidir sobre ela. Há evidências que mostram que vale a pena investir na APS, desde que existam outros níveis de atenção adequados. A APS não vai atender, por exemplo, vítimas de acidentes de trânsito.

(Deborah Castro/Assessoria de Comunicação da Faculdade de Medicina)

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